Dizer "sim", dizer "não" - Lya Luft


A história mais difícil de escrever é a nossa própria, complexa, obscura, inocente ou perversa – bem mais do que são as narrativas ficcionais.

Brinquei muito tempo com a idéia de dizer “sim” ou “não” a nós mesmos, aos outros,
à vida, aos deuses, como parte essencial dessa escrita de nosso destino
– com os naturais intervalos de fatalidades que não se podem evitar,
mas têm de ser enfrentadas.
Acredito em pegar o touro pelos chifres, mas vezes demais fiquei simplesmente deitada e ele me pisoteou com gosto. Afinal, a gente é apenas humano.
Nessa difícil história nossa, dizer “sim” ao negativo, ao sombrio,
em lugar de dizer “sim” ao bom, ao positivo, é o desafio maior.
Pois a questão é saber a hora de pronunciar uma ou outra palavra, de assumir uma ou outra postura. O risco de errar pode significar inferno ou paraíso.
Também descobri (ou inventei?) isso de existir um ponto cego da perspectiva humana,
em que não se enxerga o outro mas apenas um lado dele:
seu olho vazado, sua boca cerrada, seu coração amargo. Sua alma árida, ah…
O ponto cego das nossas escolhas vitais é aquele onde a gente pode sempre dizer “sim” ou “não”, e nossa ambivalência não nos permite enxergar direito o que seria melhor na hora:
depressa, agora. O ponto mais cego é onde a gente não sabe quem disse “não” primeiro.
E todos, ou os dois, deviam naquele momento ter dito “sim”.
Viver é cada dia se repensar:
feliz, infeliz, vitorioso, derrotado, audacioso ou com tanta pena de si mesmo.
Não é preciso inventar algo novo.
Inventar o real, o que já existe, é conquistá-lo: é o dom dos que não acreditam só no comprovado, nem se conformam com o rasteiro.
Nosso drama é que às vezes a gente joga fora o certo e recolhe o errado.
Da acomodação brotam fantasmas que tomam a si as decisões:
quando ficamos cegos não percebemos isso,
e deixamos que a oportunidade escape porque tivemos medo de dizer o difícil “sim”.
O “não” é também um ponto cego por onde a gente escorre para o escuro da resignação.
O ponto mais cego de todos é onde a gente nunca mais poderá dizer “sim” para si mesmo.
E aí tudo se apaga. Mas com o “sim” as luzes se acendem e tudo faz sentido.
Dizer “sim” a si mesmo pode ser mais difícil do que dizer “não” a uma pessoa amada:
é sair da acomodação, pegar qualquer espada – que pode ser uma palavra, um gesto,
ou uma transformação radical, que custe lágrimas e talvez sangue – e sair à luta.
Dizer “sim” para o que o destino nos oferece significa acreditar que a gente merece algo parecido com crescer, iluminar-se, expandir-se, renovar-se, encontrar-se, e ser feliz.
Isto é: vencer a culpa, sair da sombra e expor-se a todos os riscos implicados,
para finalmente assumir a vida.
Fazer suas escolhas, assinar embaixo, pagar os preços…e não se lamentar demais.
Porque programamos o próprio destino a cada vez que,
num tímido murmúrio ou num grande grito, a gente diz para si mesmo: “Sim!”

Comentários

Celivânia disse…
Nossa, Gervásio, não sou tão assidua aqui no seu blog mesmo por que me falta tempo,mas de tudo o que li até agora essa foi a postagem que mais me "toco" talvez seja porque estou vivendo esse momento em que tenho que dizer não quando gostaria de dizer sim ou vice e versa.
Parabéns pela postagem!

Abraços!
Valeu Celivânia!!!
Volte quando puder...e pode me chamr de Neto....

bom fim de semana!!
KARINA ALVES disse…
EU FAÇO MINHAS ESCOLHAS TODOS OS DIAS BASEADAS NA VONTADE DE DEUS...E NAO HÁ NADA QUE ELE NAO ME RESPONDA.... AMO VC

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